São 5 horas da manhã e ele sussurra qualquer coisa no meu ouvido sobre 50 anos em 5 e como JK e eu temos - ou seria, tivemos? Eu ainda estou viva, aqui digitando no escuro do quarto - a urgência de vida como um traço em comum. Rápido, me apressa: corre lá, pega a caneta, bloco, tira o computador do chão. Não, fica melhor se escrever sem gerúndio, sempre fica. Sim, pode ser que ninguém compreenda muito bem e talvez fosse bom juntar com aquele outro trecho qualquer em página sem data que noutro dia também me despertou meio amalucada assim, dentro da madrugada, por culpa do branco, esse que me persegue.
Nos becos, viadutos, lotação. Feito aluninha, nas salas de aula, de professores, de espera. É com esse sujeito bloqueado que tenho flertado indecentemente atrás de alguma pista da minha escrita verborrágica e sem vergonhas de tempos atrás. Com essa criatura subjetiva que tenho negociado com veemencia pra que, algo saia, qualquer coisa vingue, que eu consiga dormir na paz de quem é feliz por se reconhecer em alguma página desse mundo.
E ele? Nem pelota, durão que é. Nada. Aliás, esse ainda me atrapalha quando poderia auxiliar: finge que tudo é menos que ele, essa paz entendiante conquistada, e acaba por me fazer desistir de seguir numa ideia porque talvez seja furada, deletar uma frase inteira pelo simples motivo de insuficiência qualificatória. Ele é que presta, ele é o bom: casou comigo tem uns meses mas não conta a ninguém, saí por aí vez que outra e dá suas escapadas. Então é que consigo dar uma aliviada e respirar num cantinho.
Branquinho, porém, é opressor: prende, coloca contra as amigas, larga de mão pouco demais pra deixar que essa tal liberdade me invada de qualquer pensamento mais elaboradinho. A criatividade, cochicha na minha orelha esquerda, está ali, viva e bem disposta - ela é quem não me procura com a assiduidade de antigamente. O problema é com ela, dá a entender - malandro que é. E com minha falta de disposição, a cabeça que está em processo de expansão, e esse meu embate com a opinião alheia, vilã suprema. Eu é que me entenda e peça um help à "fada-que-tinha-ideias", aquela personagem do meu livro favorito infantil, engolido pela bagunça aqui em casa. Clara Luz certamente faria um feitiço qualquer que expulsasse essa branquidão sem graça da minha vida sem deixar garranchos e nem memórias sórdidas de um tempo onde muito quis colocar pra fora e tudo se transformava em medo e julgamento.
Forçar demais é enclausuramento ainda maior: branquelo briga com a função dolorosa da releitura, compactua com ideias mesquinhas que por segundos parecem apetitosas, se rebela toda vez que resolvo encarar com mais dureza algo que faço de bom nessa minha existência: escrever. Faz com que o telefone toque, aquele álbum novo esteja disponível, o maior solzão nasça lá fora e eu queira o ar puro de quem precisa desbravar mais por aí antes de sair falando bobagem.
Abre as pernas a qualquer sedutora ideia inicial, que depois aparece com as letras minúsculas de "danger, danger" na etiqueta, assim, simplesmente porque tem sido essa uma fase de pirraças e não dá pra sair falando sobre tudo tão abertamente. Isso é o que demonstra, no seu mais puro talento de não contar coisa nenhuma. Que até pro meu bem é esse hiato entre uma fase e outra, um capítulo antigo e o novo; essa readaptação numa nova pele, personagem, personificação do que vi que dá pra ser e ainda ensaio. As vivências, me dizem, são essas peças chave da existência que aos poucos dão sentido maior pra tudo e começam a maquinar um bota-fora pra esse maldito.
Deixo para Clara Luz a função de ser fada. Ela, que na história se dignava a inventar ela própria algo bacana quando o tédio do universo tomava conta, é uma das minhas grandes inspirações pra fazer pirlimpimpim com a minha própria varinha de condão. E tudo isso vestindo rosa.
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